Depois de uma primeira parte da entrevista focada na preparação para 2017, nos melhores momentos da temporada, da carreira e a Taça Davis, Gastão Elias fala, na segunda parte da entrevista exclusiva ao Ténis Portugal, da transição do circuito Challenger para o ATP, da decisão que que antecedeu (e não seguiu) a maior vitória da carreira e, claro, da ligação ao clube de coração — o Sporting Clube de Portugal.
Clique aqui para ler a PARTE I da entrevista a Gastão Elias
ENTREVISTA
– Em 2016 estreaste-te no top 100 mundial e passaste de uma metade da época em Challengers para ATPs. Agora que já tens alguns encontros nas pernas, quais são as maiores diferenças entre os dois circuitos?
Tirando um ou outro jogo em que se nota que há jogadores que realmente são muito bons e diferentes e estão um nível acima, não sinto que haja grande diferença a não ser na consistência. Fazem menos erros não forçados e jogam bem durante mais tempo, mas em termos de nível, tirando alguns, não há grandes diferenças: não correm mais rápido do que os outros, não têm serviços melhores, servem é melhor em momentos importantes, ou respondem melhor; talvez sejam mais corajosos nalguns momentos do que outros e acho que essa é a diferença do circuito ATP para o Challenger.
Depois há aqueles que uma pessoa sente que são mesmo muito bons. Por exemplo, eu este ano joguei com o Fognini e posso dizer que ele realmente é um grande jogador. Não tinha essa noção, nunca tinha jogado com ele e quando aconteceu senti que ele é um jogador formidável, rapidíssimo, muito completo, que serve bem e tem uma esquerda impressionante. Isso uma pessoa não encontra no nível Challenger.
De resto, é uma questão de confiança, consistência, de aguentar o momento como por exemplo o Lorenzi fez, que na maior parte do ano jogava Challengers e apanhou uns bons resultados ATP para se pôr no seu melhor ranking de sempre.
– E quais consideras terem sido os pontos chave para que tenhas conseguido uma boa transição mais ou menos a meio da temporada?
As pessoas dizem que a experiência ajuda e isso realmente é verdade. Quanto mais tempo passa, mais sinto que estou a jogar melhor. Passa muito pelas opções e pelas jogadas que um jogador toma durante o jogo e acho que ao longo destes anos todos a tomar mais más decisões do que boas, uma pessoa vai aprendendo.
Acho que basicamente foi isso, porque eu não mudei a minha forma de trabalhar, não mudei o meu preparador físico, mudei de treinador mas as coisas que trabalhamos não variam muito do que trabalhei nos últimos anos e portanto a única coisa que pode ter ajudado é a consistência, o facto de me manter cada vez mais intenso durante mais tempo, porque porque manter o nível de intensidade lá em cima do início ao fim é muito difícil. Todos os jogadores têm altos e baixos durante o jogo, portanto quem conseguir lidar melhor com isso já se sabe que é quem ganha.
Sinto-me mais consistente, mais experiente, a fazer as jogadas certas nos momentos certos mesmo que dê errado. Mas não há muitos segredos.
– Este ano, naquela tua ascensão no ranking, ultrapassaste o registo do Rui Machado e do Frederico Gil para te tornares no segundo melhor português de sempre no ranking ATP. Agora só tens o registo do João pela frente. “Perseguir” estas marcas motiva-te? É algo que tens como objetivo?
Todos os jogadores têm o sonho de ser número 1 do seu país mas não era um objetivo que eu tinha ou tenha definido, porque pelo menos no ténis não são os principais objetivos. Quando cresci, os meus objetivos estavam sempre ligados a resultados internacionais. Se calhar fui muito ambicioso, mas nunca joguei ténis com o objetivo de ser número 1 português, mas sim chegar ao top 10 ATP ou poder ganhar este ou aquele torneio. Em termos de ranking português, nunca o tive na cabeça. Obviamente que é muito bom [ser número 1 português], mas nunca foi o meu foco principal.
– Depois da maior vitória da carreira, frente ao Gael Monfils, optaste por regressar ao circuito Challenger com dois torneios na América do Sul. O que é que te levou a tomar esta decisão ao invés de continuares na Europa e no mesmo piso (rápido)?
Quando fui para Estocolmo, a decisão de ir jogar esses torneios já estava tomada há muito tempo, porque temos de nos inscrever três semanas antes. Naquela altura, olhando para os resultados que estava a ter, se perguntasse a qualquer pessoa diriam que a melhor opção seria ir para a América do Sul jogar aqueles dois Challengers que ganhei no ano passado. 100% das pessoas iriam concordar comigo, tenho a certeza.
Quando aquilo acontece na Suécia e eu jogo daquela maneira não há forma de eu cancelar os torneios a não ser ir até lá, porque senão tenho de pagar uma multa. E sendo o cabeça de série número 1 a multa ainda era maior, ou seja, a única forma de cobrir esse preço seria o equivalente a ganhar os dois Challengers. Saía mais barato ir lá e perder as duas primeiras rondas, mas já que fui até lá tentei, obviamente.
Mas basicamente senti que o ano acabou na Suécia. Desliguei completamente depois desse torneio. Foi uma semana muito intensa e com um resultado daqueles eu acabei o torneio e desliguei. Depois… Uma pessoa não está a 100% e os jogadores dos torneios Challenger não são “toscos”. Apesar das pessoas pensarem que são, porque a maioria do pessoal não tem ideia do nível dos jogadores de Challengers, foi isso que aconteceu. Desliguei a ficha e apesar de fazer todos os esforços para conseguir continuar competitivo e forte mentalmente não consegui, não estava lá. O corpo estava mas a alma não estava.
– Vais disputar pela primeira vez o quadro principal do Australian Open, o único dos quatro torneios do Grand Slam que te faltava. O que é que esperas deste torneio depois de por lá teres passado para jogar o qualifying?
Estou motivadíssimo, mesmo jogando o qualifying adorei o torneio. Acho que é o melhor Grand Slam dos quatro, é o Grand Slam em que tratam melhor os jogadores e talvez o que tem mais espaço e o mais confortável. Apesar de ter ido jogar lá o qualifying sentia-me como qualquer outro jogador e nos outros Grand Slams não é assim. Em Roland Garros, estás a jogar o qualifying e sentes que eles te tratam claramente de forma inferior aos outros; em Wimbledon, jogas o qualifying num clube completamente à parte, que não tem nada a ver com o torneio, em campos horrorosos…
E basicamente este foi sempre um torneio em que eu me senti jogador, portanto sinto-o como diferente dos outros e tenho muito mais carinho por este torneio do que pelos restantes. E acredito que todos os jogadores sintam isso. E a cidade é espetacular, o pessoal lá é aquele pessoal típico australiano e as condições, mesmo fazendo muito calor, são perfeitas. Não é que nos outros não sejam mas o Australian Open é mesmo um lugar agradável de se jogar.
– E já tens um mini calendário definido para essas primeiras semanas?
Vou jogar Chennai, na primeira semana do ano, depois provavelmente o qualifying de Sydney e depois o Australian Open. A seguir a isso vem a Taça Davis e acho que vou rumar à América do Sul para aquela série de torneios ATP. Não sei se começo em Quito, ou não, que é o primeiro em terra batida mas em 10.700m de altitude, o que é completamente uma lotaria, mas pronto… Aquilo não é ténis, é outro desporto, uma coisa que não devia ser permitida pela ATP mas como o que conta é o dinheiro eles deixam que o torneio seja realizado ali, naquelas condições inumanas e injogáveis.
– Se pudesses fazer uma coisa à tua escolha para ajudar o ténis português, qual seria?
Sendo milionário, seria fácil: ajudava pelo lado financeiro através de investimentos.
Não sendo milionário, tenho de arranjar outras formas: participando em eventos, ajudar a angariar pessoal para participar na modalidade, federados… Até já houve algumas conversas há uns tempos para a Federação Portuguesa de Ténis poder usar a nossa imagem para fazer umas atividades em Portugal. Na altura tentámos angariar fundos para uma carrinha, mas é difícil porque o tenista em Portugal não tem uma imagem muito poderosa. É difícil… Os melhores do país inteiro juntaram-se e não conseguiram angariar fundos para uma carrinha… Isso mostra que não é fácil, não é?
– Passando para um tema diferente, e como é que te sentes a jogar de leão ao peito? Há alguma pressão extra ou pelo contrário sentes que tens ainda mais apoio?
Não há pressão nenhuma, eu dou sempre o meu melhor portanto não há pressão nenhuma. Há pressão dos benfiquistas [risos], que dizem que não vão apoiar e essas coisas todas [risos]mas é uma honra poder representar aquele que é o meu clube desde pequeno. A ideia é levar as cores [para o campo], não é?, mas isso não sei se literalmente, porque depende da roupa que a HEAD me enviar, não sei… [risos]Eu até vi comentários de pessoal a achar que eu ia jogar com a camisola do Sporting [risos], mas ainda há umas coisas que é preciso ver em relação a isso, como o símbolo, por causa das medidas que são permitidas pela ATP, que tem restrições de publicidade muito fortes. É só manusear isso com cuidado para poder jogar com o símbolo na camisola.
– Teremos um Sporting vs. Benfica, Gastão Elias vs. Maria João Koehler um dia destes?
Não tem hipóteses nenhumas a Maria João [risos]. Eu falo bastante com ela e ela brinca muito comigo [risos].
– Pode ser que um dia se instalem uns campos de ténis nos relvados dos estádios de Alvalade e da Luz…
As pessoas agora estão mais viradas para o padel do que para o ténis, quase… Por acaso nestes tempos [de paragem entre épocas]joguei padel e é “porreiro”, é “porreiro”.