Nos últimos três anos a Taça Davis foi conquistada por países que nunca tinham sentido o orgulho de ostentarem a mítica “Saladeira” desde que passou a haver Grupo Mundial (a primeira divisão): a Suíça de Roger Federer e Stan Wawrinka em 2014, a Grã-Bretanha dos irmãos Murray em 2015 e a Argentina de Juan Martin Del Potro em 2016.
O sucesso dos alvicelestes comoveu o Mundo do ténis, sobretudo pelo papel primordial e pelas lágrimas de Juan Martin Del Potro, que passou do purgatório das lesões e de quatro intervenções cirúrgicas, do inferno da queda do 4º para o 1045º posto do ranking mundial, para o paraíso da medalha de prata nos Jogos Olímpicos e para a vitória histórica na Taça Davis.
Del Potro & Companhia foram bem-sucedidos onde falharam craques das Pampas como Guillermo Vilas, José Luis Clerc, David Nalbandian e ele próprio em duas das quatro finais que a Argentina tinha perdido anteriormente – um recorde mundial negativo.
É sintomático que tenha sido ao serviço do seu país, no Rio de Janeiro em agosto e em Zagreb no passado fim de semana, que “Delpo” se sublimou, ao ponto de ganhar com um dedo partido. As loas que teceram ao seu enorme coração são merecidas, mas a crítica esqueceu-se em geral de um aspeto importantíssimo – a “Torre de Tandil” foi um monstro de capacidade física.
Nas meias-finais da Taça Davis derrotou Andy Murray em cinco sets, em cinco horas e 11 minutos. Na final inverteu pela primeira vez na sua carreira uma desvantagem de 0-2 para 3-2 em sets, em 4 horas e 53 minutos frente a Marin Cilic.
Nos Jogos Olímpicos esteve mais de 15 horas em campo e superou Novak Djokovic, João Sousa, Taro Daniel, Bautista Agut e Rafa Nadal, antes de ceder frente a Murray. Só a final olímpica durou quatro horas e 2 minutos.
Recordo ainda que, em 2009, quando venceu o seu único Major, levou quatro horas e seis minutos para vergar Roger Federer em cinco sets na final do US Open, recuperando da desvantagem de 1-2 em sets.
No Domingo passado, o ex-campeão do Estoril Open tinha perdido os dois primeiros sets e a 15/15 do primeiro jogo do terceiro set aconteceu o melhor ponto da final da Taça Davis.
Del Potro, de quase dois metros, parecia uma versão de Nishikori a fazer um sprint para chegar a um amortie junto à rede, mas Cilic surpreendeu-o com um lob. O argentino correu para trás, voltou à linha de fundo e, de costas para a rede, bateu a bola entre as pernas e executou um lob perfeito.
Uma pancada que agora é apelidada de tweener, mas que na realidade, é uma homenagem ao maior vulto da história do ténis argentino, Guillermo Vilas, que muitos chamavam de “Willy”. “É uma pancada inventada na Argentina e chamava-se Grand Willy”, disse-me Cláudio Cufre, o treinador argentino há muito radicado em Portugal que dirige o Clube de Campo da Quinta da Moura, juntamente com Emanuel Couto. Outra argentina famosa, Gabriela Sabatini, também era exímia neste “shot”.
Mas voltemos a esse ponto fenomenal de Del Potro, um momento de viragem da final, relançando a Argentina. Só manifesta aquela disponibilidade física, quando já se tinha ultrapassado as duas horas de jogo, num terceiro dia seguido a jogar à melhor de cinco sets, quem é um enorme atleta.
É, aliás, sintomático que os dois tenistas que mais se destacaram na conclusão da época de 2016 tenham realizado proezas de resistência física e mental.
Uma semana antes da final da Taça Davis, Murray venceu o Masters em Londres, tendo jogado mais de 11 horas em cinco encontros disputados em sete dias, todos diante de adversários do top-10 mundial. Só dois desses duelos ultrapassaram bem as três horas.
O antigo nº1 mundial Mats Wilander, agora comentador televisivo, disse há uns dois anos no Eurosport que no ténis atual vingam os super atletas. Mais do que a técnica, a tática e até mesmo o mental, são sobretudo aqueles que combinam na perfeição a rapidez com a resistência que levam a melhor.
O novo paradigma tem vindo a consolidar-se desde as titânicas finais de Nadal e Djokovic em 2011 e 2012, nos Opens dos Estados Unidos e da Austrália, e já chamou a atenção de outros desportistas de elite, não admirando que tantos tenistas sejam frequentemente premiados nos Laureus World Sports Awards.
Ashton Eaton, medalha de ouro do decatlo em Londres e no Rio de Janeiro, considerou que “o ténis é o desporto mais duro, logo depois do decatlo. Apresenta diversas exigências: encontros com a duração de três e até quatro horas, com valências técnicas, agilidade em constante estado de alerta, aliado às questões táticas semelhantes ao xadrez”.
Del Potro e Murray vieram enfatizar o que o antigo nº1 mundial Ivan Lendl (agora treinador do escocês) trouxe ao ténis nos anos 80 do século passado, isto é, a noção de que quando a condição física é à prova de bala, todos os outros setores de jogo exprimem-se melhor e as lacunas, designadamente as mentais, são minimizadas.
Veja-se como José Mourinho, em 2012, depois de assistir à vitória da República Checa na final da Taça Davis, enviou uma mensagem para o balneário do Real Madrid que então treinava, numa altura em que se falava demasiado de um calendário futebolístico carregado: “Quando vejo o (Radek) Stepanek, com 34 anos, a morrer para ganhar três encontros à melhor de cinco sets, em três dias seguidos, jogando pelo seu país, na Taça Davis, como é que dizem que não possível a jogadores de 23, 24 ou 25 anos jogarem numa quarta-feira e depois no sábado seguinte? O desporto também tem muito de cabeça e coração. Quando queres verdadeiramente algo, podes parecer morto mas ressuscitas”.
Juan Martin Del Potro é mesmo um Lázaro do ténis. Em Março de 2015 pedia aos fãs nas redes sociais que rezassem por ele, admitiu esta semana que receou nunca mais competir, mas um ano e meio depois concluiu aquela que ele próprio considerou a sua melhor época de sempre.
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico – convertido pelo Lince.