Esplendor na Relva | “Um Domingo Estragado”, por Miguel Seabra

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Num Middle Sunday indigno dos seus populares antecessores, João Sousa só se reencontrou no terceiro set. Foi tarde demais.

Miguel Seabra, em Wimbledon [clique aqui para ler todos os artigos publicados pelo autor no Ténis Portugal]

Havia prenúncios de que a história não se iria repetir no All England Club. Mas não havia sintomas de que João Sousa passasse ao lado do seu próprio compromisso com a história do ténis português. Num Middle Sunday que a organização quis contido para evitar a algazarra e o caos das três ocasiões anteriores, o número um nacional entrou apático e não conseguiu aproveitar a excelente ocasião de se tornar no primeiro representante luso a atingir a segunda semana de um torneio masculino do Grand Slam.

Nas três anteriores ocasiões em que se jogou no domingo do meio da quinzena nos 139 anos de história em Wimbledon (1991, 1997, 2004), o Middle Sunday foi transformado em People’s Sunday pelo genuíno entusiasmo de fãs puros e duros que tinham estado toda a noite acampados para chegar aos preciosos bilhetes (mais de 30 mil). Desta vez, o Middle Sunday foi sobretudo um Quiet Sunday sem filas, com uma bilheteira controlada (22 mil ingressos) e muito menos encontros na programação.

Um desses encontros poderia ter sido histórico para Portugal. Nas três ocasiões anteriores em que João Sousa discutiu a terceira ronda num dos quatro maiores eventos da modalidade teve sempre pela frente adversários de outra galáxia, como Novak Djokovic no US Open (2013) ou Andy Murray no Open da Austrália (2015, 2016). Jiri Vesely era teoricamente um adversário mais acessível porque apresentava um ranking inferior e também nunca tinha feito melhor do que o português em torneios do Grand Slam; mas também não era um adversário qualquer: foi campeão mundial de juniores em 2011, tem um título ATP no seu currículo, já foi 35º do ranking e este ano não só derrotou o mundial Novak Djokovic em Monte Carlo como também vinha de duas vitórias em Wimbledon sem ceder qualquer set diante do perigoso Igor Sijsling e da estrela emergente Dominic Thiem. Ah, para além disso é esquerdino e tem 1m98 – uma combinação que se revelaria decisiva no capítulo do serviço.

Independentemente das valências de um opositor que provou estar em forma, o vimaranense entrou demasiado letárgico. Ele, que é habitualmente um electrão livre, muito irrequieto, que compete quase sempre com nervo, pareceu tão contido como a jornada deste domingo no All England Club. Sofreu breaks madrugadores nos dois primeiros sets para ficar a perder por 4-0 no primeiro e 5-1 no segundo; só conseguiu mostrar mais consistentemente o ténis que se lhe conhece – alta intensidade baseada em dinâmicas deslocações, profundidade de bola – ao longo do terceiro set, até surgir o tal break aos 5-5 que se revelaria decisivo. O vice-presidente da FPT José Basílio Pinto Basto ainda continuou a gritar o seu apoio à espera de uma reviravolta que nunca chegou, enquanto o presidente Vasco Costa saía atrasado para o aeroporto. Mas não houve milagre: com um ás, o seu 12º (e 36º serviço não respondido em 70), Jiri Vesely sentenciou o encontro por 6-2, 6-2 e 7-5 ao cabo de 93 minutos – ganhou 83% dos pontos na sua primeira bola de saída e 80% (!!!) no seu segundo serviço.

A decepção estava bem patente nos rostos de João Sousa e do seu técnico Frederico Marques após o encontro. Foi um daqueles dias que simplesmente não correm bem. “Não há grande coisa a dizer… não joguei um bom encontro, não estou contente com a minha prestação. Ele serviu bem, jogou a um bom nível e os dois primeiros sets não tiveram história. No terceiro set consegui ir metendo mais do que duas bolas em jogo, daí ter feito cinco jogos. Mas não tenho explicação para o sucedido; as coisas não saíram como eu queria, não me senti bem a nível de sensações e, sem querer tirar mérito a um adversário que fez um bom encontro, isso explica a minha derrota. Nem consigo fazer uma análise sobre o que ele fez para além de ter servido muito bem, porque o problema residiu em mim”, confessou. Depois de ter jogado no Court 2 em 2014 e no Centre Court em 2015, o número um português fez o hat-trick relativamente aos courts mais relevantes do All England Club com o escalonamento para o Court 1: “É imponente e muito parecido com o Centre Court, foi óptimo poder ter jogado num campo tão emblemático. Apesar de não estar contente com o desfecho…”.

Frederico foi um pouco menos lacónico: “Não se entrou bem no encontro; entrou-se de modo apático, pouco agressivo, com uma percentagem de primeiros serviços muito baixa, não conseguiu meter suficientes respostas em jogo para o obrigar a jogar”, analisou. “Já se sabe que o Jiri Vesely é muito forte nos princípios de jogada, porque serve bem e responde bem; era a partir da terceira ou quarta bola que o João começaria a ter vantagem. Nunca se conseguiu equilibrar o jogo, viu-se o João um bocadinho pequeno naquele grande court nos dois primeiros sets, reagiu em termos emocionais no terceiro set com mais presença e mais carácter, mas a margem de manobra já era reduzida e surgiu o break aos 5-5 no terceiro set. Ele não foi competitivo no primeiro nem no segundo set, foi no terceiro…”. E finalizou: “Saímos do torneio não com um tão bom sabor de boca, porque sabíamos que podíamos sair com uns oitavos-de-final se o João estivesse a bom nível, mas saímos com uma terceira ronda. E vamos falar, descansar e tentar ver como se pode melhorar”.

Já Jiri Vesely, que num passado recente foi acompanhado por um fisioterapeuta português (Carlos Carvalho), estava logicamente com um semblante bem mais satisfeito. “Joguei um bom encontro desde o início até ao fim. Dominei nos dois primeiros sets e fui mais agressivo; ao conseguir fazer breaks cedo nos primeiros sets ganhei confiança mas não foi fácil fechar o encontro em três sets porque nunca antes estive tão perto de passar aos oitavos-de-final de um Grand Slam e comecei a pensar nisso; lá consegui tornar-me novamente agressivo e impedi-lo de me fazer correr de um lado para o outro. O mais importante foi ter servido muito bem e isso tem sido a chave do meu sucesso aqui em Wimbledon”.

O gigante checo segue em frente rumo a um confronto com o seu ídolo e compatriota Tomas Berdych. Mas o duelo mais aguardado da segunda-feira é o que coloca frente-a-frente Andy Murray e Nick Kyrgios, naquele que é considerado o melhor dia de ténis do ano – todos os embates dos oitavos-de-final de singulares (masculinos e femininos, para além dos pares e dos juniores e veteranos) são jogados numa única jornada com tantos focos de interesse… que é quase impossível conseguir estar a par de tudo o que se passa. Depois de um frustrante Quiet Sunday, não há nada como uma Manic Monday.

About Author

Miguel Seabra é jornalista de ténis desde 1990 e comentador de ténis no Eurosport desde 2003. Foi editor das publicações Ténis Europeu, Jornal do Ténis e ProTénis. Foi campeão nacional universitário de ténis, treinador e árbitro internacional. É igualmente jornalista especializado em relojoaria mecânica, sendo editor da revista Espiral do Tempo. Assegura que não há nada melhor do que ter as suas paixões por profissão.

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